Maria Rita está cheia de assunto. Ela lançou "Desse Jeito", EP de samba após mudança de gravadora, na quinta (18). No disco, estreia como compositora e há três anos tem tido um encontro "incrível e revolucionário" no candomblé. Veja entrevista em vídeo abaixo.
A cantora paulistana também está envolvida na preparação de um show "pancada", na definição dela, para o Rock in Rio em setembro e chega ao vigésimo ano da carreira com modéstia: "Acho que nem eu sabia que ia durar tanto tempo assim".
A entrada para o candomblé foi tão intensa para Maria Rita, que ela até se emociona ao falar do assunto.
"É um alívio não me sentir mais tão desamparada e sozinha sobre tantos aspectos. O candomblé me permitiu entender a fé".
Perto de chegar aos 45 anos, ela diz que a solidão sempre fez e segue fazendo parte de sua vida. O aniversário da cantora é no dia 9 de setembro.
"Sou uma sobrevivente de inúmeras situações, da perda de uma mãe... Começou a ficar confuso aos quatro anos de idade, então você vê 41 anos de confusão mental, de solidão, de abandono, de uma série de desafios", enumera ela, que é filha de Elis Regina (1945-1982) com o músico e produtor César Camargo Mariano.
"A solidão sempre foi uma coisa muito palpável, muito próxima. A ponto de eu mais me entender sozinha, mas é muito melhor não ser sozinha, né?"
Ao ser perguntada se hoje está bem, ela solta um gargalhada: "Nunca... Que que é isso de estar bem?" Apesar do peso das falas anteriores, Maria diz que, hoje, se sente segura de si e "menos suscetível a desmontar diante de ataques que acontecem para nós, mulheres".
No primeiro e elogiado álbum da carreira, Maria Rita já cantava samba. "Cara Valente", escrita por Marcelo Camelo (do Los Hermanos), foi um dos grandes sucessos do disco que vendeu mais de um milhão de cópias.
Toda a influência do jazz e MPB ficam claras na estreia de 2003 e no álbum seguinte, "Segundo". Em 2007, com "Samba Meu", Maria Rita faz uma turnê de três anos onde o couro comeu, como ela canta em "Casa de Noca", samba de Elcio do Pagode, Nei Jota Carlos e Serginho Meriti.
"Fiquei um mês chorando toda noite quando a turnê acabou. Chorava pensando: o que vou fazer agora? Como é que eu vivo sem?", lembra ela.
Até se jogar de vez no samba, movimento que aconteceu em 2014 a partir de "Coração a Batucar", ela ainda lançou "Elo" e "Redescobrir", quando cantou as músicas da mãe.
"É importante falar que o samba é um terreiro, né? É ancestralidade brasileira. Fatalmente vai bater diferente em cada pessoa, embora seja a identidade nacional."
A cantora vai seguir cantando samba e não tem nenhuma intenção de fazer diferente. "A dúvida existe na cabeça dos outros. Não sei mais viver sem o samba há bastante tempo".
"Existe o entendimento do que o terreiro do samba e o terreiro do candomblé têm a mesma raiz, mas por que eu caí nisso? Não vou ter como explicar, é só uma questão absolutamente espiritual."
"Nada mexe mais comigo do que o grave do batuque, grave da pele de couro do surdo, aquele banjo que vem, a divisão, é um negócio....", diz, empolgada.
Maria Rita sempre teve tino para escolher boas músicas para gravar como intérprete, mas partir de "Desse Jeito" entra também para a turma da composição. Das seis faixas, assina duas do EP.
Um belo dia, a cantora acordou com a melodia que viria a ser a de "Canção de erê dela" na cabeça, mas tinha certeza de que era de outra pessoa.
Tanto que mandou mensagem para os amigos e músicos Pretinho da Serrinha e Fred Camacho perguntando de quem era aquilo.
Sem acreditar muito que estava criando, ela foi outro dia na casa de Pretinho e Rachell Luz, cantora e compositora paulistana casada com o músico, quando eles fizeram a letra da música que fecha o EP, com participação de Teresa Cristina.
"Por Vezes", gravada com Thiaguinho, foi escrita em São Paulo com os irmãos Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira, da dupla Prettos.
"Está saindo de forma muito orgânica muito, baseado no instinto, na inspiração momentânea. Outro dia estava andando em São Paulo de carro, comecei a ver aquela cidade, surgiram umas ideias na cabeça. Até pensei 'gente, que que está acontecendo, que canal é esse que abriu?' Parei na esquina e comecei a escrever no celular".
O EP, formato inédito na discografia da cantora, marca o primeiro pela Som Livre, após a saída da Universal, gravadora que ficou por dez anos. Ela reclama que não estava feliz com os planos da carreira.
"Sentia que estava ficando para trás no sentido da flexibilidade do mercado em lançar EPs, singles, fazer feats... Não estava sendo observada pelo meu entorno."
Maria canta no festival carioca no dia 10 de setembro, um dia após completar 45 anos, no palco Sunset. Coldplay, Camila Cabello, Bastille e Djavan tocam no Palco Mundo; veja horários dos shows.
Ela ainda não decidiu qual show vai fazer, mas tem duas opções: fazer o Samba da Maria "potente", turnê que canta sambas clássicos, ou montar um novo show de sucessos revisitando aos 20 anos da carreira.
"Ainda não decidi isso e estou a uma semana dos ensaios. Não sei ainda qual telhado de vidro vou quebrar, mas não deixa de ser um bom problema. O que posso garantir é que vai ser pedrada, vai ser grande, vai ser forte".
Vai ser a quinta vez da cantora no Rock in Rio. A estreia foi com uma participação no Baile em homenagem a Simonal em 2011.
Depois, ela fez um show cantando Gonzaguinha em 2013. Na edição seguinte, participou da homenagem aos 450 anos do Rio e em 2017 quando subiu ao palco com a cantora americana Melody Gardot.
Além do lançamento do EP, o momento é de celebração para a carreira de Maria Rita. Uma das primeiras aparições como cantora foi no show do violonista Chico Pinheiro, em São Paulo, em 2002.
"Estou aqui há 20 anos sem parar, sem tirar férias, produzindo, empregando pessoas, construindo uma história é muita gratidão. Acho que nem eu sabia que eu ia durar tanto tempo assim."
"Sempre fico com uma paúra de se um dia meus filhos vão ter orgulho do meu legado, se o meu público vai ter orgulho do meu legado, se a história da música nacional vai ter orgulho do meu legado. Acho que eu estou no caminho legal, sabe?"
Se por um lado, Maria Rita está contente com uma carreira tão longeva, não dá para dizer que rola a mesma confiança quando o assunto é o Brasil e as eleições de outubro.
"Estou apreensiva, não sou da turma que acha que está tudo ganho, que uma vitória de Lula seja garantida. Acho que não vai ser tão simples assim, que venha outubro".
Independentemente do resultado, ela acredita que 2023 vai ser um ano muito difícil:
"Vai ser um ano de absoluta frustração, porque é uma coisa é um governo do PT, um governo do Lula, depois de oito anos de Fernando Henrique. Outra coisa é depois de 4 anos de Bolsonaro. A diferença é gritante, o mundo mudou, a economia global mudou."