Nesta sexta-feira, dia 18 de março, os aprovados no I Concurso para Juiz Substituto do Poder Judiciário de Mato Grosso do Sul completam 40 anos de magistratura. Aberto no dia 1º de julho de 1981 e homologado no dia 19 de fevereiro de 1982, o certame teve aprovação de 17 candidatos e, destes, dois desistiram.
Assim, no dia 18 de março de 1982, foram nomeados e empossados os juízes substitutos Jorge Eustácio da Silva Frias, Edson Ernesto Ricardo Portes, Clóvis Borborema Santana, Julizar Barbosa Trindade, Carlos Alberto Pedrosa de Souza, João Adolfo Astolfi, Jonas dos Santos Pellicioni, Ana Comparsi, Manoel Mendes Carli, Dorival Moreira dos Santos, Ademar Pereira, Divaldo Roque Meira, Otto Bitencourt Neto, João Bosco Rodrigues Monteiro e Tenir Miranda.
Destes, somente Julizar permanece judicando. Julizar Barbosa Trindade é desembargador no Tribunal de Justiça de MS desde 2007, alcançando o ápice da carreira. Ele completará 75 anos em maio de 2023 e será alcançado pela aposentadoria compulsória. E foi com um brilho de orgulho nos olhos, pela trajetória exemplar, que o magistrado recebeu em seu gabinete a SCom do TJMS e contou um pouco de sua história. Segundo ele, dos aprovados somente oito foram empossados em março de 1982 porque havia nove circunscrições e oito vagas imediatas. Depois, os outros foram empossados conforme as vagas surgiam e, com a ampliação do número de circunscrições, todos puderam ocupar uma vaga.
Como era judicar no interior naquela época? “Era gratificante. Fiquei dois meses como substituto em Corumbá e depois fui promovido para Glória de Dourados. Lá judiquei dois anos, fui promovido para Amambai, depois removido para Ponta Porã e posteriormente promovido para a Capital – tudo em pouco mais de seis anos. Minhas promoções todas foram por merecimento, tanto de substituto para titular como para o Tribunal de Justiça”, relatou.
Ser juiz em cidades pequenas do interior na década de 1980 era difícil? “Redigi muita sentença em máquina de escrever. Nas comarcas de primeira entrância, o juiz é responsável pela justiça, representa o padre, o pastor, os cartorários, enfim, porque tudo o que havia de problema ia para o juiz. Hoje é diferente, mas naquela época atendíamos todo mundo, inclusive pela justiça trabalhista. O povo tinha não só respeito como total admiração pelo magistrado”, esclareceu.
Apesar dessa visão da sociedade local, Julizar conta que nunca deixou de fazer nada em razão de ser juiz: sempre foi um membro da comunidade. Instado a contar alguma situação que o marcou, ele lembrou de um caso de quando atuava na antiga Vara de Entorpecentes, já na Capital.
“A Polícia Federal encontrou com um rapaz um quilo de cocaína dentro de uma caixa de aparelho de som, em uma residência. Fui interrogá-lo e ele levantou a camisa, mostrando o braço todo picado, e me disse: ‘o senhor acha que se eu tivesse essa quantidade de cocaína estaria aqui? Eu estaria morto. Isso não é meu’. Fiquei impressionado, mas continuei o interrogatório. Pouco depois, interroguei a irmã dele e perguntei como descobriram a droga. Ela respondeu que os policiais procuraram em vários lugares e descobriram a cocaína na caixa de som. Não me convenci que o réu era traficante, condenei-o como usuário e determinei sua internação para tratamento por seis meses. Anos depois, estava em uma vara cível e uma mulher me procurou. ‘O senhor lembra de mim? Sou a irmã do Sérgio’, e citou o caso. Lembrei. Ela continuou: ‘vim falar com o senhor porque era mentira. Ele batia na minha mãe, batia na gente, então pedimos para levar a cocaína lá. Realmente não era dele e eu não poderia morrer sem contar a verdade. Foi Deu quem o iluminou’”, rememorou, apontando que casos assim o marcaram ao longo da carreira.
Nem com situações como a relatada e tantas outras que vivenciou, o desembargador pensou em desistir da carreira. “Jamais. Eu poderia ter me aposentado com a promulgação da Constituição de 1988, mas não quis”, respondeu, garantindo que pretende aposentar-se somente em maio de 2023, com exatos 75 anos, para aproveitar a vida com a mulher, os três filhos e os seis netos.
Muito discreto, Julizar é o exemplo de quem valoriza muito a família. Fará 43 anos de casado; conta com orgulho que os filhos são formados em universidades federais e hoje o mais velho é procurador do Estado, a segunda filha é administradora de empresa, e o caçula está advogando. Foi muito bem recebido no Estado de MS, no Tribunal de Justiça e define sua vida em uma frase: “Combati um bom combate e logrei-me vencedor”. Ser magistrado para Julizar foi um sonho que começou no primeiro ano de faculdade, quando conheceu o então professor Francisco Giglio, diretor do Fórum de Bauru (SP), em quem se espelhou. Depois de formado, participou de apenas dois concursos para ingresso na carreira – ambos em MS – e foi aprovado no segundo.
Com humildade, ele conta que nunca teve um réu que o ameaçasse, sempre colocou a justiça em primeiro lugar e que a porta de sua sala estava sempre aberta para quem desejasse com ele conversar ou precisasse ser atendido - só fechava a porta se ligasse o ar condicionado. A escolha das terras sul-mato-grossenses para se estabelecer surgiu quando passava por Campo Grande para atender um processo em que era advogado em Cuiabá.
“Eu passei por aqui e disse: um dia vou morar nessa cidade, porque gostei do lugar, da cidade arborizada”. E assim o fez, permanecendo na Capital de Mato Grosso do Sul até os dias atuais.
Entenda – Todos os integrantes da comissão responsável pelo concurso no qual Julizar foi aprovado estão aposentados. A comissão era formada pelo Des. Jesus de Oliveira Sobrinho, presidente da comissão e do TJ na época; Des. Higa Nabukatsu representava o Conselho Superior da Magistratura; Des. Rui Garcia Dias representava o Tribunal Pleno, além de Claudionor Miguel Abss Duarte, que representava a OAB/MS. Dos aprovados, hoje estão aposentados Edson Ernesto Ricardo Portes, Clóvis Borborema Santana, Ana Comparsi, Dorival Moreira dos Santos e João Bosco Rodrigues Monteiro. Tenir Miranda e Jorge Eustácio da Silva Frias estão advogando até os dias atuais. São falecidos Carlos Alberto Pedrosa de Souza, João Adolfo Astolfi, Jonas dos Santos Pellicioni, Manoel Mendes Carli, Ademar Pereira e Divaldo Roque Meira.