“O tipo de vida de um sujeito moderno, branco, reflexo da colonização, empurra o mundo para a emergência climática”. A declaração do codiretor-executivo do Observatório da Branquitude, Thales Vieira, representa a tônica do seminário organizado nesta quarta-feira (8), no Rio de Janeiro, para debater ações da branquitude como responsáveis pela crise ambiental. Thales considera que há no mundo um “modo de vida que enxerga o planeta e pessoas não brancas como recursos inesgotáveis para a população branca. Um reflexo que vem da escravização e é permanente”.
O encontro foi organizado neste mês da Consciência Negra pelo Observatório da Branquitude e reuniu ativistas que unem dois campos de atuação, o movimento negro e as causas ambientais.
O conceito de branquitude, segundo Thales, corresponde a um lugar de poder. “Um lugar de privilégios econômicos, culturais, jurídicos, ocupado exclusivamente pela população branca. Uma localização de poder que pessoas brancas exercem sobre populações racializadas, populações negras, indígenas etc. A branquitude é esse lugar estruturado de poder”, explicou à Agência Brasil.
Outra forma que o cientista social usa para explicar o conceito é fazendo uma reflexão sobre o racismo estrutural. “Se existe racismo estrutural, existe, por outro lado, quem se beneficia dele também estruturalmente. E quem se beneficia é o que a gente chama de branquitude”.
Para Thales, diferentemente do que possa indicar o senso comum, os efeitos maléficos das mudanças climáticas não são democráticos, ou seja, não afetam por igual todas as populações. “Populações negras e indígenas são, desproporcionalmente, mais afetadas pelas mudanças climáticas e pelas catástrofes climáticas”.
Ele cita o exemplo do rompimento de uma barragem, como já houve em Mariana, em Minas Gerais. “Você imagina que aquele lamaçal que transborda afeta todo mundo por ali. Mas a escolha daquele ponto onde a barragem é colocada é feita com intenção, é sempre em um lugar onde moram as populações mais vulnerabilizadas. O lugar onde ficará uma indústria que polua mais, um aterro sanitário, é em locais de moradias de pessoas pobres, sobretudo, negras e indígenas”, avalia.
Segundo o ativista, os efeitos negativos não são democráticos “por fruto de decisões tomadas por quem tem o poder, mantendo as populações embranquecidas mais protegidas”. Ele completa com um exemplo na ponta contrária, ou seja, em benefício do que chama de branquitude. “Observe taxas de plantio de árvores em grandes cidades. É muito mais plantio e reposição em áreas abastadas das cidades, onde moram uma maioria branca”.
Participante de um debate sobre ancestralidade e crise climática, também realizado nesta quarta-feira, em Brasília, Aderbal Ashogun, coordenador nacional da Rede Afroambiental, enxerga que o fato de as consequências da emergência climática afetarem mais as populações já desprivilegiadas acentua desigualdades. Para ele, essa diferença é fruto de um racismo ambiental.
“O racismo ambiental é justamente essa omissão do Estado que atinge áreas já em situação de vulnerabilidade, o impacto da não implementação de políticas cidadãs nos territórios de altíssimas vulnerabilidades”, disse.
Ele acrescenta como exemplo a falta de saneamento das favelas, que as deixa em situação de risco quando acontecem temporais.
Além de identificar injustiças e consequências para as populações, especialistas acreditam que é importante que as comunidades atuem na produção de conhecimento e boas práticas de manejo ambiental.
“Populações negras já vêm produzindo soluções, tem vários movimentos de favela, de periferia, melhorando esse debate sobre emergência climática. Trazem um olhar negro para essas questões”, assinala Thales Vieira.
Um exemplo, na avaliação dele, são quilombos, que ele classifica como espaços de preservação por excelência. “O modo de vida pensando nesses movimentos de resistência negra é fincado em uma simbiose [associação a longo prazo entre dois organismos] muito forte entre o homem e a natureza”.
Thales defende mais valorização desse conhecimento tradicional e lamenta o pouco espaço que ainda tem nos debates públicos. “Pouquíssimo acesso para intervir em políticas públicas”.
Esse cenário é confirmado por Nêgo Bispo, líder comunitário no quilombo Saco Curtume, em São João do Piauí, no Piauí, uma área de caatinga. “Nós somos muito chamados para fazer palestras, para fazer debates, mas não somos chamados para tomar decisões”, disse durante o encontro do Observatório da Branquitude.
Fundadora do coletivo Mulheres de Axé do Distrito Federal e do Entorno, Virgínia da Rosa atua no terreiro que recebe o seminário sobre ancestralidade e meio ambiente, em Brasília. Ela destaca a relação entre tradições culturais religiosas e preservação ambiental. “A preservação da natureza, das nossas folhas sagradas, das nossas árvores sagradas é fundamental, é o pilar da nossa existência”, disse à Agência Brasil.
Virgínia defende que as comunidades devem fazer uma reflexão sobre a relação com o consumo material. “É importante que o nosso povo reflita sobre o modo de existência que nós queremos levar para o futuro, em que o nosso desejo de sociedade consumista, em que a produção de bens de consumo leva ao esgotamento dos recursos naturais e impacta na preservação da nossa identidade, da nossa própria existência”.
Ela defende também um protagonismo da população negra no debate público. “Levar essas preocupações para dentro dos nossos terreiros, para dentro dos nossos movimentos, ampliar a participação do movimento negro no debate da agenda climática. A agenda climática é uma abordagem importante para o debate das desigualdades sociais e raciais”.