A maquiadora Sandra Ferreira diz que foi chamada na escola do filho, então aos 5 anos de idade, em Sarzedo (MG), para um anúncio: o menino aprendia rápido demais. Ela ficou feliz, mas ouviu o médico alertar que, para o dom não virar problema, ela devia ficar de olho e dar desafios ao filho especial.
"O médico ficou assustado. Ele era pequenininho, colocavam ele pra montar as coisas, e ele fazia assim: pá, pá, pá", a mãe imita os dedos velozes do filho. "Em outubro ele já estava de férias, porque acabava incomodando as outras crianças que ainda estavam aprendendo."
Os interesses do pequeno Yuri Ferreira de Almeida eram claros: música e computador. "Ele nunca gostou de brinquedo, nem de amizade com criança. Já era adulto", lembra Simone. "Então a gente fazia esse investimento." Com violão e notebook na mão, ele começou a aprender sozinho.
Yuri começou a editar vídeos em um app no celular aos 6 anos, descobriu como fazer bases de funk no notebook aos 8 e foi descoberto por uma das maiores agências de funk de SP aos 12. Aos 13 anos, produziu a música mais tocada do Brasil - e tem outras duas subindo nas paradas.
Ele fez a base para a música "Casei com a putaria", com versos dos MCs Paiva e Ryan SP. A faixa foi o 1º lugar nacional de streaming de novembro até o meio de outubro. Outras duas músicas dele com versos do MC Paiva estão subindo no Top 100: "Bagulho louco" e "Doce veneno".
Kotim criou todas as bases musicais, mas não é o autor de nenhuma destas letras. Vários versos são sobre sexo, tema comum no funk e no pop brasileiro em geral. A mãe não proíbe que ele participe das produções, mas diz que acompanha todo o trabalho e conversa com o filho.
"Sobre as palavras que existem nestes funks, eu mostro para ele o que é certo e errado. Até mesmo porque essas coisas não fazem parte do mundo dele, ele não vive", diz Simone.
Mas a maior exigência dela é fazer todos os deveres do colégio antes das missões no funk. "O desafio total meu com o Kotim é escola. Porque é uma coisa que eu exijo. A escola vem em primeiro lugar. Depois o resto." Mas ele diz que tira de letra: "Eu sou muito, muito bom em todas as matérias".
Ele aprendeu o ofício editando vídeos para o próprio canal do YouTube aos seis anos. "Primeiro eu comecei no celular. Tem um aplicativo que chama Kinemaster. Eu editava por ele, e depois passei para o notebook que minha mãe me deu. Eu comecei a editar por lá, fui aprendendo, me aperfeiçoando."
Aos oito anos, pesquisando sobre um efeito sonoro que queria colocar em um vídeo, descobriu o programa de edição de música FL Studio.
Ele também era hábil para publicar e divulgar as músicas que começou a fazer. Nessa época ele ainda era o "mascotim", o caçula da casa mineira. O apelido de infância reduzido deu a ideia para o nome de nas faixas que publicava - algumas cantando, outras só na produção: DJ Kotim.
"Comecei a lançar na internet uns beats pelo canal das pessoas que eu conhecia. Um empresário me chamou, falou que gostou muito, e perguntou: 'Quantos anos você tem?' Eu não podia mentir, falei: 'Tenho 8.' Ele desacreditou", diz Kotim.
"Aí ele falou: 'me manda seu endereço agora que eu estou indo para a sua casa'. Achei que minha mãe não ia aceitar, mas ela foi a que mais me apoiou na época. Ele fez o convite para a gente ir lá assinar o contrato. Para a minha mãe assinar, né, porque eu não respondo por mim", diz Kotim.
Ele passou por duas produtoras no disputado mercado do funk de BH. Kotim chegou até a montar o próprio escritório, chamado KTM. "Minha mãe agenciava e eu tinha meus MCs, que eram do bairro", conta o menino, que na época morava no Primeiro de Maio, na Zona Norte de Belo Horizonte.
No dia do aniversário de 12 anos, ele conseguiu trocar mensagens com o dono de uma das maiores agências de SP, a Love Funk. "O Rato me mandou o número dele. Aí eu fiquei desesperado, falei para a minha mãe, ela chamou e ele falou: 'Vou mandar o dinheiro da passagem para vocês virem para cá'".
Kotim virou produtor fixo na Love Funk. A empresa cresceu durante a pandemia com uma nova geração do funk consciente e cantores em alta como MC Danny, MC Gabb (outro ídolo mirim, também de 13 anos) e o MC Paiva, com quem Kotim se enturmou.
Com os mesmos dedos rápidos que a mãe viu fazendo testes motores aos 3 anos de idade, Kotim mostra seu trabalho no computador: uma mistura do minimalismo do funk mineiro, o tambor do funk paulista, o grave sinistro do trap e melodias pop que surgem de uma conexão afiada com o MC Paiva.
Ele e a mãe foram morar em um apartamento perto da produtora, na Zona Leste de São Paulo. O pai, motorista, fica entre MG e SP. Simone marca o filho sem descanso: "Ela segue meu estudo, fecha minhas produções, meus shows, conversa e me acompanha. Em tudo ela vai", diz Kotim, resignado.
Rotina e sonho
O garoto que fez o médico receitar desafios aos cinco anos de idade parece satisfeito com a rotina atual aos 13. A troca de escola não foi problema: "Hoje em dia todo mundo da escola fala comigo. Vem gente que eu nunca vi na vida: 'Você que é o Kotim? Daora, vamos tirar foto.' É muito legal."
"Eu acordo em volta das 9h. Aí tomo um banho, tomo um café, escovo os dentes, fico na sala, arrumo minha roupa, me arrumo e vou para a escola. Vou para a escola e fico até as seis da tarde. Venho para o estúdio, fico mais ou menos até umas nove, dez, aí vou embora. É a mesma rotina todo dia."
"Nunca imaginei que ia ser tão rápido. Achei que ia demorar uns dez anos, igual aos outros MCs e DJs. Mas foi do nada, muito rápido", ele diz sobre o sucesso. E a meta agora, depois de um nº1 nacional? "Chegar ao top 1 global", diz Kotim, sério.