O AVC (acidente vascular cerebral) é responsável por 116 milhões de anos de vida saudável perdidos anualmente. Pelos dados da WSO (World Stroke Organization), globalmente são registrados quase 14 milhões de novos casos e 5,5 milhões de mortes por ano.
No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, no mesmo período, são mais de 400 mil diagnósticos e, a cada cinco minutos, uma morte, totalizando mais de 100 mil em 12 meses.
Caracterizada por uma alteração súbita do fluxo sanguíneo cerebral, por entupimento (isquemia) ou rompimento (hemorragia) de um vaso que fornece sangue ao cérebro, a doença é, atualmente, o fator número um de incapacidade em adultos.
Apesar da sua gravidade, uma boa notícia foi anunciada recentemente por aqui: a incorporação no SUS (Sistema Único de Saúde) da trombectomia mecânica para o tratamento de pacientes com AVC isquêmico agudo. Para a neurologista Sheila Martins, presidente eleita da WSO e da Rede Brasil AVC, esse é um passo fundamental para os brasileiros, que até então só contavam com uma terapia clínica disponível na rede pública, a trombólise, opção nem sempre eficiente, mesmo sendo mais fácil de aplicar.
"A trombólise consiste no uso de um medicamento (trombolítico) na veia. Ele vai pela circulação até onde o vaso cerebral está obstruído para tentar liberar a passagem do sangue. Foi o primeiro tratamento para AVC, aprovado em 1995. O problema é que em alguns casos, quando os vasos são muito grandes, o medicamento não consegue penetrar o suficiente para dissolver o coágulo", explica a especialista. Por exemplo, em se tratando da artéria cerebral média, localizada dentro da cabeça e responsável por irrigar dois terços de um dos hemisférios do cérebro, a médica diz que a chance de o trombolítico desobstruí-la é de apenas 25% a 30%.
"Para estes casos mais graves, em que o tratamento medicamentoso tem baixa resposta, a trombectomia mecânica é mais eficiente. Com ela, o paciente tem menos sequelas, passa menos tempo na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), sai mais rápido do hospital e reinterna menos", afirma. O que é a trombectomia mecânica? Realizado nos hospitais particulares desde 2015, o procedimento, indicado apenas para o AVC isquêmico, é uma espécie de cateterismo, mas ao invés de ser no coração, como no infarto agudo do miocárdio, é realizado no cérebro.
Ele pode ser feito com o uso de um stent, que abre o vaso, incorpora e retira o coágulo que o está bloqueando, ou um sistema de aspiração, que suga o coágulo para desentupir a circulação. O estudo Resilient, financiado pelo Ministério da Saúde, realizado por pesquisadores brasileiros em 12 hospitais do país —sob a coordenação de Sheila Martins— e cujos resultados serviram como base para a incorporação da trombectomia no SUS, mostra que, quando comparada com o uso de trombolíticos, essa terapia aumenta de 21% para 35% a independência funcional do indivíduo e reduz em 16% a mortalidade ou o risco de dependência grave.
"De cada 100 pacientes que tratamos com remédio venoso, 33 vão ter melhora clínica importantíssima, ficando com sequelas mínimas, e 13 ou 14 não terão nenhuma sequela. Com a trombectomia, a efetividade é maior. De cada três, um é beneficiado. Mas, como esses casos são mais graves, consideramos que o tratamento foi um sucesso mesmo quando o paciente fica com uma pequena sequela", aponta Gisele Sampaio, professora de neurologia clínica da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e membro das diretorias da ABN (Academia Brasileira de Neurologia) e da Rede Brasil AVC. Outra vantagem do tratamento é o tempo. Enquanto a trombólise deve ser aplicada em até 4,5 horas após o início dos sintomas, a trombectomia pode ser feita em até oito horas, às vezes, em até 24 horas.
Em contrapartida, o procedimento é bem mais complexo: só pode ser realizado em centros de AVC especializados, que tenham sala de hemodinâmica e com a presença de um neurorradiologista intervencionista e um anestesista, e o paciente precisa obrigatoriamente fazer os exames tomografia e angiotomografia. Durante a execução do estudo Resilient, 20 locais foram avaliados e aprovados como qualificados para realizar a trombectomia mecânica no Brasil. Eles ficam nos estados do Rio Grande do Sul, Ceará, São Paulo, Distrito Federal, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais e Paraná, mas, por enquanto, ainda não estão realizando o tratamento pelo SUS —o prazo para que o Ministério da Saúde efetive a oferta é de 180 dias após a publicação da portaria, que aconteceu no dia 19 de fevereiro deste ano.