As perspectivas pós-pandemia sobre a Agenda 2030 em relação a temas como saúde, direitos humanos e clima foram abordadas pelo Seminários Avançados do Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) nesta quarta-feira (18/8). O evento Agenda 2030: balanço global e perspectivas pós-pandemia apresentou um balanço atualizado dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a nível global, regional e nacional, apontando críticas e alternativas para a implementação da Agenda.
A mediação do evento foi feita por Paulo Buss, coordenador do Cris/Fiocruz, quem apresentou um histórico da construção da Agenda 2030 desde seus inícios, fruto do espírito otimista ao multilateralismo pós-guerra fria envolvendo uma série de cúpulas das Nações Unidas na década de 90; passando pela Cúpula do Milênio em 2000 que deu origem aos Objetivos do Milênio; e chegando até a ampliação destes objetivos em 2015 quando se transformaram nos 17 ODS, 169 metas e 241 indicadores com prazo de cumprimento até o ano 2030. Buss também explicou que a Agenda 2030 propõe uma aliança para o desenvolvimento, um conjunto de medidas para sua implementação e uma governança própria.
Santiago Alcazar, pesquisador do Cris/Fiocruz complementou: “a agenda 2030 é até hoje o principal mapa a seguir para nos levar ao mundo melhor que visualizamos na década de 90”. O diplomata destacou o seu principal problema. Para ele, se bem existe um consenso que o caminho para a restauração pós-pandemia e o futuro são a Agenda 2030, o acordo de Paris e os compromissos da biodiversidade, existe um problema significativo que impede o cumprimento da agenda: ela não ataca o cerne da questão, isto é, não critica o sistema.
“Não será que o próprio sistema gera o oposto do que queremos com os Objetivos? Será que não gera pobreza e concentração de renda? Será que não gera fome pela priorização da agroindústria frente a soberania alimentar? e doenças e pandemias? Não será que o sistema não gera violência e guerras?”, disse Alcazar, para quem o sistema também acaba abraçando algumas alternativas que existem, e se não olharmos e agirmos sobre isto de forma crítica, sempre estaremos vários passos atrás das urgências.
O desafio estrutural foi reforçado por Armando Denegri, também pesquisador do Cris/Fiocruz, que apontou a necessidade de superar os desequilíbrios e nos perguntar quem se beneficia com a estrutura atual de poder. “Devemos assumir que existem beneficiários que fortalecem seu poder permanentemente e por tanto existe uma disparidade crescente que inclusive pode produzir miséria de forma planejada, o que significa um grande desafio para os ODS”, afirmou Denegri, para quem os recursos para cumprir o direito ao desenvolvimento existem, mas se situam na dinâmica do mercado financeiro internacional e não aterrissam na economia produtiva.
A questão ambiental e de mudanças climáticas, um dos temas mais relevantes da Agenda 2030, foi trazida ao debate por Luiz Augusto Galvão, pesquisador do Cris/Fiocruz. Galvão destacou que as mudanças climáticas influenciam tudo o que é vivo no planeta, assim como os regimes de água, ar, temperatura, afetando todos os objetivos da Agenda e requerendo ações urgentes. O pesquisador também apontou a proposta existente de facilitar a implementação dos Objetivos através de seis processos transformadores: 1) educação, gênero e desigualdade; 2) saúde, bem-estar e demografia; 3) descarbonização da energia e indústria sustentável; 4) alimentos, terra, água e oceanos sustentáveis; 5) cidades e comunidades sustentáveis; e 6) revolução digital para o desenvolvimento sustentável.
Os impactos da pandemia para a implementação da Agenda 2030 na América Latina foram expostos por Carlos Maldonado Valera, oficial de assuntos sociais da Comissão Econômica para América Latina (Cepal). “A pandemia tem cobrado mais de 1.370.000 mortes na América Latina, trazendo impactos sociais, econômicos e ambientais complicados que se somam a quatro décadas de baixo crescimento, concentração da riqueza e deterioração ambiental na maioria dos países. A pandemia profundiza as desigualdades de gênero, aumenta a insegurança alimentar e diminui os ingresso, o que significa que a pandemia está colocando em risco a integralidade dos Objetivos da agenda 2030”, apontou Maldonado, destacando que apenas um terço das metas da Agenda 2030 estão na trajetória adequada na região.
O oficial de assuntos sociais da Cepal destacou oito motores para encender uma economia sustentável e caminhar na direção certa, eles são: transição energética, mobilidade sustentável, revolução digital, indústria da saúde, bioeconomia, economia do cuidado, economia circular e turismo sustentável.
Os dados do relatório Luz sobre a situação atual dos ODS no Brasil foram apresentados por Mônica Andreis, diretora executiva da ACT promoção da saúde e facilitadora do grupo de trabalho da sociedade civil para a agenda 2030. O relatório Luz indica que o Brasil não vai conseguir cumprir com os ODS se não adotar medidas urgentes para a erradicação da pobreza e para o desenvolvimento sustentável. Entre outros dados, aponta que, das 169 metas da Agenda,13 estão com progresso insuficiente, 27 estagnadas, 21 ameaçadas, 92 em retrocesso e nenhuma com progresso satisfatório.
“Isso se traduz em 27 milhões de pessoas a mais em extrema pobreza, 113 milhões em insegurança alimentar, 19 milhões com fome, 5 milhões de meninos e meninas fora das unidades educacionais, crescimento de 9% das pessoas sem teto e desmatamento em aumento particularmente na região amazônica”, disse Andreis, para quem o problema não é apenas a falta de recursos e sim a escolha de prioridades.