Incêndio florestal na ilha de Evia, na Grécia, em 8 de agosto. Fogo está relacionado às mudanças climáticas, segundo especialistas. — Foto: Angelos Tzortzinis/AFP
Mudanças climáticas causadas pelos seres humanos são irrefutáveis, irreversíveis e levaram a um aumento de 1,07º na temperatura do planeta, aponta o mais recente relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) publicado nesta segunda-feira (9).
É a primeira vez que o IPCC - um órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) - quantifica a responsabilidade das ações humanas no aumento da temperatura na Terra.
"Muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, centenas de milhares de anos. Algumas das mudanças - como o aumento contínuo do nível do mar - são irreversíveis ao longo de centenas a milhares de anos", aponta o relatório.
A conclusão é um dos pontos do documento nomeado "Climate Change 2021: The Physical Science Basis", que apresenta ainda os seguintes destaques:
Os dados integram a primeira das três etapas do relatório do IPCC. As duas próximas publicações abordarão como lidar com o aquecimento e quais as estratégias para evitar um aumento ainda maior da temperatura.
No entanto, o texto desta segunda-feira deve ser o único divulgado antes da Conferência das Partes (COP26), prevista para novembro em Glasgow, na Escócia.
O relatório indica que o impacto da ação humana já está perto do limite de 1,5ºC de aumento da temperatura global que foi definido em 2015 durante a COP21, no Acordo de Paris. À época, os países presentes se comprometeram com algumas metas para conseguir barrar as mudanças do planeta, incluindo o Brasil, que diz querer atingir a neutralidade nas emissões de gases causadores do efeito estufa até 2060.
A pesquisadora Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB) e uma das participantes do grupo de trabalho da terceira parte do relatório do IPCC, alerta que os dados exigem uma resposta urgente – apesar de a ação humana ter causado danos irreversíveis por séculos ou milênios, o cenário como um todo não é considerado irreversível.
"1,07°C é a estimativa média entre 0,8ºC e 1,3ºC. O valor de 1,3ºC nos coloca bem próximos da meta de 1,5ºC do Acordo de Paris para 2100. Ou seja, a urgência é evidente para trabalhar nas causas do aquecimento", disse Bustamante.
A especialista diz que um ponto importante a destacar é que está mais quente "em sistemas terrestres (onde vive a população) do que nos oceanos, pois a água segura mais as variações de temperatura". A alta da temperatura total do planeta, com influência humana e com a variação do próprio sistema climático, é de 1,09ºC (variação de 0,95ºC a 1,20ºC).
Nas primeiras páginas, o documento utiliza o adjetivo "inequívoca" para se referir à influência humana nas mudanças climáticas. A ciência já considera que as provas são irrefutáveis.
"É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Ocorreram mudanças rápidas e generalizadas na atmosfera, no oceano, na criosfera e na biosfera" - IPCC.
Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, explica que o documento "mudou a linguagem" e acrescentou esse grau de certeza, sem margem para "contestação".
"A gente não está mais discutindo se o homem foi um fator ou se é o um fator preponderante nas mudanças climáticas. Não se discute o 'se', mas o 'quanto'. É inequívoca a influência humana no clima da Terra e eles [IPCC] agora mostram quanto conseguem estimar em graus de temperatura", disse.
Abaixo, veja nove pontos do impacto do aumento da temperatura global na vida na Terra, segundo o relatório do IPCC:
O IPCC foi criado em 1988 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e pela Organização Meteorológica Mundial com o objetivo de sintetizar e divulgar o conhecimento mais avançado sobre as mudanças climáticas.
Em 2007, o IPCC e o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore receberam o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho de difusão do conhecimento sobre o aquecimento climático e sobre as medidas necessárias para limitá-lo.
O Painel não produz pesquisa original, mas reúne, avalia e interpreta o conhecimento produzido por cientistas de alto nível - tanto os independentes quanto aqueles ligados a organizações e governos. O painel já produziu cinco grandes relatórios completos – o divulgado nesta segunda é uma parte do sexto.
O atual documento originalmente estava previsto para sair em abril, mas os trabalhos foram adiados pela pandemia de Covid-19. O texto tem 234 autores de 66 países; a pesquisadora Claudine Dereczynski, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), é uma das colaboradoras.