A imensa desigualdade racial tem sua origem no processo de colonização e para reparar os danos e promover o acesso de pessoas indígenas ao ensino superior, iniciativas legislativas de inclusão foram necessárias e neste sentido, Mato Grosso do Sul foi vanguarda na criação de ações afirmativas para a inclusão de pessoas indígenas na Universidade Estadual do estado, a UEMS.
Em Mato Grosso do Sul, a reserva de vagas para vestibulandos indígenas remonta ao ano de 2002, quando o então Deputado Estadual Murilo Zauith somou esforços com o Deputado Pedro Kemp e juntos discutiram, propuseram e aprovaram cotas para Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), o primeiro para Povos Indígenas e o segundo para pessoas Negras.
No próximo 26 de dezembro de 2022, a Lei N ° 2.589/02 completa 20 anos, sendo necessário retomar o cenário político no qual nasceu a atividade legislativa sobre a inclusão de pessoas indígenas na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
Ao contrário do que vivemos na maior parte do Brasil hoje, a norma que criou reserva de vagas para indígenas não se deu por uma defesa ideológica “desta” ou “daquela” posição, mas sim por uma coerência cidadã que deveria constar no currículo de todo e qualquer parlamentar eleito. Mato Grosso do Sul é o único estado brasileiro que conta com uma Lei própria para promover o acesso de indígenas à educação pública superior.
O ano era 2002 e Murilo Zauith, Deputado Estadual, conhecidamente um político de centro-direita e empresário no ramo da educação privada, trouxe à tona a necessidade de reservar vagas da UEMS para o ingresso de Pessoas Indígenas, o que já era feito desde 1998 na instituição familiar de ensino construída por ele, a UNIGRAN (Centro Universitário da Grande Dourados).
Pioneira na reserva de vagas para Povos Indígenas, a UEMS é a instituição de ensino superior com maior presença indígena no Centro-Oeste e comemora esse momento contando a história de inúmeros egressos indígenas que hoje são destaque dentro da vida acadêmica dentro e fora do país.
Segundo dados da Diretoria de Registro Acadêmico da UEMS (DRA-UEMS), após a sanção da Lei N ° 2.589/02, no período compreendido entre 2004 a 2014, o número de alunos matriculados na UEMS era 65.348, dos quais 1.753 eram cotistas indígenas. O número cresceu com o passar do tempo, fazendo com que a UEMS se transformasse em destaque nacional, pois é a Universidade brasileira pioneira na reserva de 10% de vagas em todos os seus cursos de graduação para alunos indígenas.
Vale Universidade
A vanguarda das cotas indígenas em Mato Grosso do Sul modificou a cara da UEMS, estremecendo o padrão branco que até então era hegemônico nas salas de aula e diante dessa nova configuração, foi necessário também que acadêmicos reivindicassem o direito à permanência estudantil, afinal, apenas a expansão não poderia garantir que estudantes indígenas conquistassem o diploma do ensino superior.
Um pouco depois da implementação das cotas indígenas na UEMS, estudantes indígenas narravam dificuldades para seguir frequentando a sala de aula, dentre elas a presença, uma vez que não era fácil sair das aldeias e ir até a universidade. Pesquisas feitas entre o período de 2004 a 2007 mostraram o alto índice de evasão escolar indígena o que asseverou a necessidade do poder público estadual compreender que não bastava a reserva de vagas, era preciso também ajudar na permanência dos cotistas.
Foi assim que a Lei Nº. 3.783/09, de iniciativa do poder executivo, fez nascer o Vale Universidade Indígena, programa do Governo Estadual que oferece apoio financeiro ao acadêmico Indígena da UEMS, durante sua formação universitária mediante a concessão de benefício social, depositado diretamente na conta bancária do acadêmico devidamente matriculado na Universidade Estadual.
A propositura da lei que deu origem ao Vale Universidade Indígena foi de iniciativa do poder executivo, principalmente, por intermédio do então vice-governador de Mato Grosso do Sul, Murilo Zauith que após criar a primeira lei de cotas indígenas do país também viu a necessidade do governo subsidiar a permanência dos acadêmicos indígenas que em sua grande maioria se enquadram na camada populacional de baixa renda.
O impacto do ingresso indígena na UEMS
A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) é a Instituição de Ensino Superior (IES) com maior percentual de estudantes indígenas da região Centro-Oeste, segundo levantamento da Revista Quero Bolsa, parceira do Guia da Faculdade do Estadão, atualmente, o percentual de estudantes indígenas é de 4,76%, em relação ao número total de matriculados na Universidade.
A reportagem procurou a professora Drª Beatriz dos Santos Landa que está na UEMS há 25 anos e atualmente ministra aulas nos cursos de Ciencias Biológicas, Pedagogia e também atua no mestrado em História da UEMS. Segundo a Professora Beatriz foi possível ver a “transformação” da universidade a partir do ingresso de alunos indígenas. Ela disse que no inicio da reserva de vagas era possível perceber que a maioria dos alunos indígenas eram mais velhos, que não demorou muito e muitas etnias começaram a ser representadas por indígenas das etnias guarani e kaiowá, terena e Kinikinau.
“O tempo passou e agora o que podemos notar é que o alunado indígena é muito mais jovem e muitos deles/as são filhos de egressos da UEMS que já estão atuando e que apoiam seus filhos, certos da ação transformadora que tem a educação superior”. A Professora Beatriz Landa afirmou também que “Muita coisa mudou, foi necessário adaptar metodologias, compreender o tempo dos alunos, repensar projetos pedagógicos e compreender questões culturais. Isso fez bem para todo mundo, principalmente para a Universidade”
Por fim, a Professora Beatriz Landa destacou o programa “Rede de Saberes” é executado pela UEMS em parceria com a Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), com financiamento da Fundação Ford. Além da Unidade de Dourados, há espaços da Rede de Saberes em Campo Grande, Amambai e Aquidauana, e estão sendo estruturados novos espaços em Jardim e Naviraí.
Beatriz Landa destacou que o programa “Rede de Saberes” construiu espaços específicos para os discentes indígenas favorecem processos organizativos próprios, fortalecem as identidades, constroem redes de sociabilidades e de acolhimento mútuo, promovem relações interculturais entre indígenas e não indígenas, criam alternativas de resistência e existência neste ambiente “ .
A questão é que nestes 20 anos da primeira lei de reservas de vagas para alunos indígenas do Brasil quem ganhou foi a sociedade, o ingresso dos Povos Indígenas na UEMS trouxe também um ganho incalculável de cultura, de mudança de referencial e consagrou mais uma vez o papel crucial da educação na promoção da diversidade humana.