Estudo mostra que diferença entre as notas médias dos dois grupos aumentou entre 2007 e 2019
O ensino fundamental público no Brasil tem mostrado uma melhora nos indicadores de aprendizado nos últimos anos. No entanto, essa melhora não tem sido igual para todos os alunos e, na verdade, tem levado a um agravamento das desigualdades entre alunos negros e brancos, com disparidades regionais.
Um estudo realizado pelo Insper com base nos resultados do Saeb, a avaliação federal da educação básica, revela que, apesar do leve aumento no desempenho geral dos estudantes, meninas e meninos negros estão enfrentando desvantagens ainda maiores. Os dados analisam os resultados das provas de português e matemática feitas pelos alunos ao final dos anos iniciais (1º ao 5º ano) e finais (6º ao 9º ano) do ensino fundamental, no período entre 2007 e 2019, antes da pandemia.
Por exemplo, em matemática, em 2007, os meninos brancos tinham uma vantagem de 9,1 pontos sobre as meninas negras. Esse hiato aumentou para 13 pontos em 2017. No 9º ano, essa diferença era de 21,3 pontos em 2007 e chegou a 23,4 pontos em 2017, de acordo com os dados do estudo, que realizou análises estatísticas nos resultados do Saeb para garantir comparações precisas.
Os estudantes negros têm ficado ainda mais para trás em comparação com os brancos e pardos. Ao final do ensino fundamental, no 9º ano, a média dos meninos negros ficava 16,6 pontos abaixo das meninas pardas em 2007. Essa diferença aumentou para 20,5 pontos em 2017. Ao comparar com as meninas brancas, o abismo passou de 28 para 32,4 pontos.
Na disciplina de matemática, são as meninas negras que enfrentam as maiores desvantagens. Em 2007, a média delas era 14,6 pontos menor do que a dos meninos pardos e 25,9 pontos abaixo da nota dos meninos brancos. Dez anos depois, os resultados do Saeb mostram uma distância das meninas negras de 20,3 pontos em relação aos meninos pardos e de 30,2 pontos em relação aos meninos brancos.
O pesquisador Michael França, autor do estudo juntamente com Gerrio Barbosa e Alysson Portella, afirma que esses resultados refletem as desigualdades sociais e a discriminação existentes. Segundo ele, as políticas educacionais não devem se basear apenas nas médias de desempenho, pois isso significa deixar pessoas para trás. É necessário adotar políticas que visem à equidade e à redução das diferenças entre os estudantes com pior e melhor desempenho. França ressalta que as evidências mostram que escolas com alunos mais pobres e com maior predominância de alunos negros apresentam maiores deficiências pedagógicas. Além disso, há indicações de que os professores reforçam estereótipos raciais, colocando os alunos negros em desvantagem.
Os resultados desse estudo apontam para alguns dos problemas das desigualdades raciais na educação, embora não reflitam as desigualdades entre alunos dentro da mesma escola, por exemplo. Além disso, o abandono e a evasão escolar também são problemas que afetam de forma desproporcional as crianças e adolescentes negros.
A secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, Zara Figueiredo, afirma que o Brasil nunca implementou ações afirmativas para buscar a igualdade na educação básica. Ela destaca que a forma como os recursos e os bens sociais e pedagógicos são distribuídos na educação básica é fundamental nesse aspecto. Figueiredo questiona por que a sociedade se escandaliza com casos de racismo, como o ocorrido com o jogador Vinicius Junior, mas não se escandaliza com esses dados que mostram que os meninos negros têm anos de diferença no aprendizado. Ela afirma que é necessário focar no combate às desigualdades por meio das regras de direcionamento de recursos, desenho das avaliações, alocação de professores em escolas prioritárias e formação.
O MEC e a Capes recriaram recentemente o Programa de Desenvolvimento Acadêmico Abdias Nascimento, com o objetivo de promover ações afirmativas na pós-graduação e na formação de professores para a educação básica. O programa destina recursos para formações de estudantes autodeclarados pretos, pardos e indígenas, além de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades. Também estão previstos projetos para promoção da igualdade racial, combate ao racismo, difusão do conhecimento da história e cultura afro-brasileira e indígena, educação intercultural, acessibilidade e inclusão.
O estudo do Insper também comparou as disparidades regionais entre brancos e negros, revelando que as desigualdades raciais são maiores e têm se agravado nas regiões Sul e Sudeste. Nas regiões Norte e Nordeste, os negros tinham notas muito próximas ou até superiores às dos brancos em 2007, tanto nos anos iniciais quanto nos finais do ensino fundamental. No entanto, os resultados mais recentes mostram uma piora nessa situação.
Embora a maioria dos estados tenha apresentado uma melhora no desempenho médio em português e matemática entre 2007 e 2019, houve um aumento das desigualdades. No estado do Ceará, que registrou melhorias relevantes nas médias de aprendizado no ensino fundamental, as diferenças de desempenho entre negros e brancos evoluíram de forma a beneficiar, em geral, os alunos brancos.
Esses dados são preocupantes, pois mostram que os alunos negros estão em desvantagem mesmo quando os resultados dos estudantes brancos no país como um todo também são muito ruins. É necessário um esforço conjunto da sociedade e do sistema educacional para combater essas desigualdades e garantir uma educação mais equitativa.