No último domingo (16), fundamentalistas religiosos tentaram invadir o Centro Integrado de Saúde Amauri de Medeiros (Cisam), no Recife (PE), para impedir o aborto legal de uma criança de 10 anos, que engravidou após ser estuprada pelo tio.
A paciente é do Espírito Santo mas teve que viajar para a capital pernambucana exclusivamente para interromper a gravidez. O procedimento foi realizado em segurança e a criança passa bem. Os extremistas foram expulsos por um grupo de mulheres feministas.
A secretária de relações de gênero da CNTE, Berenice D'Arc Jacinto, manifesta solidariedade à criança e à família, e também indignação com a atitude dos fundamentalistas. "Além de sofrer 4 anos de abuso de um ente que deveria cuidar dela, a criança ainda teve que lutar para ter o direito ao aborto legal garantido", ressaltou.
O direito ao aborto em casos de risco de vida à mãe ou em casos de estupro está previsto em lei há 60 anos no país. Berenice Jacinto também destaca a importância da escola para identificar casos de violência familiar e para erradicar a violência contra a mulher: "Os profissionais da educação conseguem observar características das crianças que estão sendo abusadas em casa.
A escola, com todas as dificuldades inclusive de falta de equipamentos e de profissionais com formação para isso, ainda é o espaço que consegue identificar as violências, principalmente abusos físico e sexual. E é também o espaço de discussão de gênero, na perspectiva de emancipação e igualdade entre os gêneros, onde se ensina que mulheres e homens merecem proteção e respeito".
Aborto legal
No artigo 128 do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940 está claro que aborto é considerado legal quando a gravidez é resultado de abuso sexual ou põe em risco a saúde da mãe. Além disso, em 2012, um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu que é permitido interromper a gestação quando se nota que o feto é anencéfalo, ou seja, não possuir cérebro.
Repercussão nas Redes Sociais
Nesta segunda-feira, às 17h, o grupo feminista "Coletivo Juntas" promoveu o tuitaço #CriançaNãoÉMãe#SaraWinterNaCadeia.
Entre as mensagens que circularam na rede social com essa tag, há a indignação: "Em um país justo e digno, a maternidade deve ser desejada, planejada, apoiada por políticas públicas e, em nenhuma hipótese, deve ser uma imposição a uma criança"; o pedido por justiça: "Não podemos aceitar quem coadune com a violência sofrida pela criança do ES.
Precisamos responsabilizar o violentador, aqueles que expuseram a menina e aqueles que se recusaram em cumprir a lei, garantindo à criança seu direito à dignidade"; e a lembrança de que Sara Giromini, a pessoa que vazou a identidade da criança e o nome do hospital, foi assessora da ministra Damares.
A Justiça do Espírito Santo ordenou que redes sociais apaguem os dados da menina que sofreu abuso, expostos ilegalmente pela extremista - também conhecida como Sara Winter. Acatando o pedido da Defensoria Pública do estado, a justiça ordenou ao Google, Twitter e Facebook que retirem de suas plataformas publicações com informações pessoais da menina.
As plataformas têm 24 horas para tirar as informações do ar, sob multa de R$ 50 mil por dia, em caso de descumprimento.De acordo com o juiz do plantão da 5ª Região, Samuel Miranda Gonçalves Soares, os dados divulgados “causaram ainda mais constrangimento à menina e aos seus familiares”.
Na liminar o magistrado considera que não se trata de “obstar o direito à liberdade de expressão”. “Entretanto, consoante se extrai dos autos os dados divulgados são oriundos de procedimento amparado por segredo de justiça”, destaca a decisão.
Violência
O Disque Direitos Humanos (Disque 100), do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) registra que a violência sexual contra crianças e adolescentes correspondeu a 11% dos 159 mil registros feitos pelo canal do Governo, ao longo de 2019. Ao todo, no último ano, foram 17 mil ocorrências desta natureza.
Ainda de acordo com o Ministério, em 73% dos casos, o abuso sexual ocorre na casa da própria vítima ou do suspeito e é cometido por pai ou padrasto em 40% das denúncias. O suspeito é do sexo masculino em 87% dos registros.
Segundo dados do Fórum de Segurança Pública, entre 2017 e 2018, quatro meninas de até 13 anos são estupradas a cada hora no país. Em 2018, o país também bateu o triste recorde de ocorrências de abuso sexual infantil: 32 mil vítimas.