O número de pessoas mortas em confrontos com a polícia aumentou 420% nos primeiros dois meses deste ano, em Mato Grosso do Sul, se comparado com o mesmo período em 2022. Conforme levantamento feito pelo g1, no primeiro bimestre de 2023 foram 26 mortes decorrentes de intervenção policial, sendo o maior número já registrado nos últimos 10 anos neste recorte de período. Veja gráfico abaixo.
Segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), em 2022 foram cinco mortes em confrontos com a polícia. Desde o início da catalogação dos dados em 2013, o recorde tinha ocorrido em 2019, com 12 mortes durante conflitos com agentes do estado.
Ao portal g1, a secretaria informou que acompanha o aumento dos casos e que presta suporte para a apuração dos fatos.
"A Sejusp acompanha todos os casos buscando garantir ao policial total apoio funcional e psicológico em face dos episódios, garantindo através dos setores competentes a necessária, transparente e ampla apuração dos fatos, que exigiram desse agente repelir a injusta e iminente agressão".
Dos mortos em ações policiais este ano, 24 pessoas são do sexo masculino, uma do sexo feminino e um não informado. Entre as pessoas que morreram, há o registro de 13 jovens, 11 adultos, um adolescente e um idoso.
De acordo com a Sejusp, durante os acompanhamentos dos casos, verificou-se que a grande maioria dos mortos em confronto com a polícia possuía ficha criminal.
"Possuem vasta ficha de antecedentes criminais, principalmente pela prática de crimes violentos. E, dados da inteligência apontam que tinham missões específicas a cumprir à mando do crime organizado. E, suas reações demonstram a periculosidade que possuíam".
Ao todo, de 2013 até 28 de fevereiro deste ano, 385 pessoas morreram em ocorrências onde houve intervenção de agentes do Estado. Dessas, 300 são homens, quatro são mulheres e 81 pessoas não tiveram o sexo informado.
Veja os dados de pessoas mortas em confrontos com a polícia ao longo dos últimos 10 anos em Mato Grosso do Sul:
Mortes em confrontos com polícias de MS de 2013 a 2023.
Investigação das mortes
No Brasil, todas as mortes registradas em confrontos com agentes do estado são processadas na Justiça Comum. Mas há diferenças na fase de investigação policial a respeito desses homicídios.
Na maioria dos estados, fica com a Polícia Civil a tarefa de conduzir o inquérito sobre as mortes em revide policial à chamada injusta agressão.
Em Mato Grosso do Sul, porém, desde 2021, a própria Polícia Militar conduz as apurações de episódios envolvendo seus integrantes. Se o responsável pela apuração considera a ação legítima, tudo é arquivado.
De todos óbitos ocorridos neste ano, 23 foram em ações envolvendo policiais militares. Outros três foram em decorrência de atividades de policiais civis.
No contato feito pela reportagem com a PMMS, o órgão informou que em 2023 foram abertos17 IPMs (Inquéritos Policiais Militares).
"Foram instaurados 17 Inquéritos Policiais Militares para apurar a atuação da Polícia Militar em ocorrências de confronto armado decorrentes de oposição à intervenção policial”, informa a nota à reportagem.
A apuração da PM é tocada pela Corregedoria da corporação. O policial só é afastado das atividades de rua se houver entendimento de que irregularidades na ação. “Caso haja indícios de que o profissional de Segurança Pública tenha agido dentro da legalidade, esse não é afastado de suas atividades", afirma o comunicado.
Investigação deve ser conjunta, aponta especialista
Para a diretora-executiva do “Instituto Sou da Paz”, a socióloga e advogada Carolina Ricardo, os casos devem ser investigados com celeridade para a compreensão do aumento dessas mortes e, notadamente, objetivando a transparência do que de fato aconteceu, para que, quando seja identificada violência policial desproporcional, ela seja punida.
"Muitas vezes, a Justiça Comum acaba inocentando policiais em casos em que houve abuso ou mau uso da força. Isso porque existe uma visão por parte da sociedade de que bandido bom é bandido morto”, pontua.
De acordo com o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), a maior preocupação não é de quem irá investigar os casos, mas sim com a solução.
"A preocupação maior em tais casos, não reside em quem irá realizar a investigação, mas sim, que esta seja feita de forma célere e transparente, respeitando-se todos os prazos de comunicação e atendendo os parâmetros e diretrizes previstos na Resolução 129/2015 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e demais normas do Código Processo Penal (CPP)", informou o Gacep (Grupo de Atuação Especial e Controle da Atividade Externa).
Câmera nas fardas
Uma das ações adotadas por estados brasileiros para diminuir a letalidade policial foi a implantação de "body cams", as câmeras corporais, que são acopladas à farda dos agentes policiais e tem como objetivo, filmar a ação dos policiais.
Em Mato Grosso do Sul, a Sejusp informou que a implantação da ferramenta tecnológica deve ocorrer na mesma oportunidade em que o Governo Federal implementar para a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), aproveitando, se possível a mesma tecnologia e solução, buscando com isso a padronização e redução de custos.
Um dos estados a aderir o equipamento foi São Paulo, onde a medida se mostrou eficiente. Em levantamento feito de maio a junho de 2021, quando o uso das câmeras foi adotado no dia a dia dia de três mil policiais militares, foi constatada uma queda nas mortes por intervenção policial de 54%.
De acordo com Carolina Ricardo, as câmeras não são a única resposta para combater a letalidade nas policiais. Para ela, o uso do equipamento é um auxílio a ser conciliado com políticas públicas.
"A simples implantação não muda o padrão de conduta da polícia, o uso da ferramenta deve ser precedido de uma política pública, é preciso ter uma visão clara do que se quer desta polícia em relação ao uso da força. As imagens precisam ser supervisionadas, a câmera não serve só para mostrar o que o policial fez de ruim, pelo contrário, serve também para mostrar que eles estão fazendo correto”, analisa.