Na tarde desta terça-feira (11) professores, alunos, representantes sindicais e parlamentares, lotaram o anfiteatro Dom Bosco, em Campo Grande, na audiência pública que debateu o novo Ensino Médio. O evento foi de iniciativa da Federação dos Trabalhadores em Educação de Mato Grosso do Sul em conjunto com o deputado estadual Pedro Kemp (PT). No final do encontro, foi aprovado um manifesto pela revogação da Lei Federal 13.415/2017, que instituiu o novo Ensino Médio.
O presidente da Fetems, o professor Jaime Teixeira, ressaltou a importância da discussão. "Houve falta de democracia na hora de discutir o Novo Ensino Médio em 2017. Não houve participação dos trabalhadores em educação e dos estudantes. Nós não concordamos com isso, a discussão interessa para todos os setores da sociedade. Por isso trouxemos aqui os melhores debatedores para que todos aqui saiam com argumentos para discutir com a sociedade para que o Movimento Revoga Já seja fortalecido".
Antes de sua fala de abertura, Pedro Kemp lembrou do deputado Amarildo Cruz, falecido no dia 17 de março deste ano. "Peço uma salva de palmas ao nosso companheiro Amarildo, que sempre foi um defensor dos trabalhadores e da educação. Que a memória do nosso companheiro possa estar presente na nossa luta", saudou o deputado.
"Um projeto que veio de cima, uma reforma tão profunda que não teve a participação dos principais envolvidos, que são os professores e os estudantes", afirmou o deputado Pedro Kemp, que abriu a audiência. "Nós tivemos um empobrecimento no Ensino Médio. O que tentaram fazer foi a profissionalização dos nossos jovens para que sejam uma mão de obra barata. É uma reforma que interessa apenas aos empresários, que querem o jovem só para apertar o botão da máquina. E o que nós queremos? Queremos um Ensino Médio que ofereça uma formação sólida aos estudantes", acrescentou o parlamentar.
O tom da audiência foi pela revogação do novo Ensino Médio, o que contou com aprofundamento dos dois palestrantes: a doutora em Educação, Monica Ribeiro da Silva, titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo.
Heleno Araújo afirmou que o modo como ocorre a implantação do novo Ensino Médio “quebra todo o processo de discussão, de debate sobre o que os jovens, realmente, precisam dentro de nossas escolas”. De acordo com ele, o processo deveria ter participação social com foco na formação integral dos estudantes e com estímulo à solidariedade. “Mas essa Medida Provisória [746/2016] é fruto de concepção gerencialista, com foco no resultado e que estimula a competição. E nessa competição, os mais fracos vão ficando para trás, saindo das escolas”, considerou.
De acordo com a professora Mônica, que participou por videoconferência, o problema do novo Ensino Médio não é de implementação, mas sim de concepção. “Não se se trata de um problema de implementação, que poderia ser resolvido com pequenos ajustes”, iniciou a professora, que é pesquisadora na área de Políticas Educacionais com ênfase para o Ensino Médio e na avaliação de políticas públicas. Ela explicou que o problema é estrutural, de concepção desde a Medida Provisória 746/2016, que criou o novo Ensino Médio.
Conforme a professora, considerar apenas Língua Portuguesa e Matemática como obrigatórias diminui a carga horária das outras disciplinas e afeta a formação científica integral dos estudantes. Outra questão, relacionada a essa, é a redução, em média de 30%, da carga horária das disciplinas da formação geral básica para incluir no currículo as chamadas eletivas. “Por isso é preciso defender a sua revogação”, reforçou.
A professora também criticou o projeto de modalidade à distância. “Isso é uma farsa. No tal do sexto tempo, por exemplo, os alunos teriam aula remota. Mas isso é uma mentira”, exemplificou. “É uma miscelânia de temas, que causa um esvaziamento do conhecimento escolar”, disse em referência às unidades curriculares, que agregam na mesma sala alunos de turmas e níveis diferentes e oferecem temas diversos, alguns bastante certificados, como a que ensina fazer brigadeiro. “Com isso tudo, estamos roubando do nosso jovem o direito de sonhar com o ensino superior”, finalizou.
Após a palestras, diversas pessoas usaram a palavras, entre as quais alguns estudantes. São jovens que sentem, no seu cotidiano, os problemas mencionados e criticados pelos participantes da audiência. Entre eles, estava Lucas Vinicius da Silva Ávila, que definiu como desesperadora a situação da educação. “Vemos assuntos não essenciais colocados na nossa escola. Professores dão aula de coisas que não estão preparados. Isso faz mal para os nossos professores. Não quero aprender fazer sabão. Eu quero aprender sobre economia, sobre política. Quero ser um cidadão crítico e pensante”, disse o aluno.
A deputada Gleice Jane (PT), que assume a vaga aberta pelo falecimento do Amarildo Cruz, também participou do debate. Esse foi o seu primeiro compromisso público como parlamentar - a deputada tomou posse nesta terça-feira (11). Com professora, Gleice conhece bem, na sua prática diária, os problemas que foram debatidos na audiência. “Esta reforma compromete a estrutura de direitos trabalhistas da juventude. Isso é muito sério, é muito grave! Não dá pra continuar dessa forma. É o esvaziamento do conhecimento, é a mudança da sociedade para pior, sem garantia de direitos da classe trabalhadora. Isso vai ter reflexos graves na vida de toda uma geração. Não tem outra alternativa a não ser revogar tudo e começar do zero. Precisamos fazer uma reforma do ensino médio? Sim, precisamos, mas não essa reforma”, discursou a parlamentar.
Manifesto pela revogação
No final do encontro, foi lido e aprovado um manifesto (leia na íntegra) pedindo a revogação do novo Ensino Médio. O documento, que será enviado ao Ministério da Educação e ao Governo do Estado, reúne em seis tópicos as motivações de discordâncias do projeto: retomada do "modelo arcaico de segmentação (dicotomia) entre a formação geral e os itinerários formativos”; restrição da "parte universal do currículo, voltada para a formação humanística e cidadã dos estudantes, a apenas 1.800 horas"; não garantia da "livre escolha dos/as estudantes aos itinerários formativos"; fomento da "privatização de parte expressiva do currículo escolar"; estímulo á evasão escolar; e rebaixamento do "trabalho pedagógico escolar e da profissionalidade de professores/as e funcionários/as da educação".
O manifesto afirma, ainda, que o novo modelo acentua a desigualdade entre estudantes pobres e os de classe média e ricos. “O ‘Novo Ensino Médio’ (NEM) é uma política que impõe inadmissível apartheid socioeducacional à maioria dos estudantes das escolas públicas, na medida em que nega o acesso à escola para milhões de jovens, rebaixa o currículo das redes públicas, prejudicando a formação e o ingresso de estudantes das classes populares em universidades públicas, além de induz a terminalidade dos estudos para a maioria dos filhos e filhas da classe trabalhadora, qualificando-os intencionalmente para ocupar postos de baixa complexidade e remuneração no mundo do trabalho”, afirma trecho da carta.