Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) acabam de desenvolver uma cultivar de batata voltada à produção em pequenas propriedades para autoconsumo e para venda ou troca nas comunidades e em feiras alternativas, especialmente no Rio Grande do Sul. A BRS Gaia também é indicada para a transição agroecológica (mudança das bases da produção para aumento da sustentabilidade dos sistemas agrícolas) e, inclusive, para a produção por produtores de tabaco, cultura expressiva no estado.
O lançamento está previsto para o dia 30 de novembro, exatamente um ano após o lançamento da batata BRS F50 (Cecília). A apresentação será feita durante Dia de Campo no município de Canguçu (RS), no sul do estado. O processo de licenciamento para multiplicação da variedade está em curso e a disponibilização ao setor produtivo começará em aproximadamente dois anos.
A BRS Gaia é a quarta variedade lançada pela Embrapa nos últimos dez anos. Atualmente, seis variedades desenvolvidas pela pesquisa pública federal estão disponíveis aos produtores, atendendo diferentes demandas do setor produtivo.
Apesar de o Rio Grande do Sul ser o quarto produtor de batata no Brasil (510,8 mil toneladas), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o estado abriga a maioria (57,6%) dos cerca de 35 mil estabelecimentos produtores do tubérculo do país.
No sul gaúcho, as regiões de Pelotas e da Serra do Sudeste concentram mais de quatro mil propriedades, sendo 91% de perfil familiar. O município de Canguçu, considerado “Capital Nacional da Agricultura Familiar”, abriga cerca de duas mil famílias e quase todas produzem batata para consumo próprio. O número representa quase 10% dos estabelecimentos do estado.
“É uma região de muitos pequenos produtores e que representa bem a região colonial aqui do sul do estado”, afirma o pesquisador da Embrapa Clima Temperado (RS) Arione Pereira.
O desenvolvimento de uma variedade de casca vermelha buscou atender às demandas de consumo da região, onde a preferência é por batatas dessa cor. Também visa promover segurança alimentar – já que a média de produtividade no local é inferior a 7,5 toneladas por hectare (t/ha) – e contribuir para o desenvolvimento da região onde a Embrapa Clima Temperado está historicamente inserida.
“Esse é um esforço na busca pelo desenvolvimento de cultivares que atendam aos produtores que cultivam a batata por tradição e para o consumo”, acrescenta Pereira.
Nestor e Jonatan Hellwig, pai e filho, produtores do município de Canguçu, representam a parcela de agricultores que cultivam a batata só para o consumo. Na propriedade, o principal produto é o tabaco. “Faz tempo que queríamos uma variedade nova. Acho que todo mundo deveria plantar um pouquinho para ter sua própria batata e não precisar procurar no mercado”, afirma Jonatan.
A recomendação da BRS Gaia, portanto, é para a região Sul, podendo ser produzida em todas as épocas com clima adequado para a batata, entre 15 ºC e 22 ºC. Apesar dessa indicação, também estão previstas ações para desenvolvimento de mercado junto a pequenos produtores de batata de pele vermelha nos estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais e Goiás.
Os tubérculos da variedade possuem casca vermelha e polpa amarela média, com formato ovalado e boa aparência. Também apresentam baixa incidência de desordens fisiológicas que resultam em deformidades. Na prateleira, a durabilidade é considerada média, em torno de três meses, dependendo da safra – maior na safra de outono e menor na safra de primavera.
A BRS Gaia ainda apresenta versatilidade de uso, com textura adequada para elaboração de purê, além de alto teor de matéria seca e baixo teor de açúcar para preparação de palitos fritos e chips crocantes. “Durante a semana, esses produtores usam a batata principalmente para fazer o purê e no fim de semana fazem a batata maionese. Estamos preocupados com isso, para que eles tenham segurança alimentar e nutricional e com essa versatilidade”, complementa o pesquisador.
No campo, a produtividade é considerada média. Avaliações por três safras em sistema orgânico (sem incidência do fenômeno climático “el ninho”), em área experimental da Embrapa, em Pelotas (RS), indicaram média de produção total de 17 t/ha, com 75% de tubérculos comerciais. Em produtor parceiro em Canguçu, sob mesmo sistema produtivo, o volume de produção chegou a 25 t/ha.
“A BRS Gaia tem aparência, produtividade e versatilidade melhores do que a cultivar Macaca, além de ter um período mais longo de não brotar, depois de colhida, o que permite o consumo por mais tempo. Mas ela não foi projetada para substituir a Macaca, mas para complementar e ajudar no abastecimento da casa por um período mais longo”, finaliza Pereira. Macaca é a variedade mais produzida e consumida pelos agricultores familiares gaúchos e foi utilizada como testemunha (material de comparação) em avaliações com a BRS Gaia.
Em relação a doenças, apresentou resistência elevada ao vírus da batata (PVY) e resistência intermediária à murcha bacteriana, muito comum nas pequenas propriedades.
De modo geral, a batata e o tabaco possuem doenças em comum e não são recomendados para uso em rotação. Mas como a BRS Gaia apresenta resistência intermediária à murcha bacteriana – doença comum nas propriedades que cultivam tabaco -, há essa possibilidade de cultivo por esses produtores, com menor risco de produção.
A cultivar também é moderadamente suscetível à requeima e a alternária – principais doenças foliares da cultura -, embora em menor grau do que as cultivares similares presentes no mercado. Além disso, também é considerada de média-alta rusticidade, com elevada tolerância ao calor.
Desde 2011, seis variedades foram desenvolvidas e disponibilizadas pelo Programa de Melhoramento Genético da Embrapa ao setor produtivo. O trabalho é desenvolvido em parceria entre a Embrapa Clima Temperado e a Embrapa Hortaliças (DF), com avaliações nas Estações Experimentais Canoinhas (EECan), em Santa Catarina, e Cascata (EEC), em Pelotas, além de produtores parceiros em diferentes regiões do País.
Lançada no ano passado, a BRS F50 (Cecília), de pele amarela, foi orientada para o cultivo orgânico, apresentando melhor qualidade de tubérculo do que as principais variedades utilizadas nesse sistema. Já a BRS F183 (Potira), disponibilizada em 2021, busca atender à indústria de palito pré-frito congelado, embora o material seja de duplo propósito e também possa ser utilizado no consumo doméstico.
De 2015, a BRS F63 (Camila) foi desenvolvida para consumo doméstico e restaurantes, o principal mercado no Brasil. Por isso, apresenta película amarela, que representa cerca de 80% da preferência do mercado nacional. Por fim, de 2011, a BRS Clara se destaca pelo alto potencial produtivo, com alta porcentagem de tubérculos graúdos, e adaptação ao sistema de produção orgânico; e a BRSIPR BEL por suas características adequadas para processamento na forma de chips e batata palha.