Durante três semanas, frigoríficos de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul que abatem frangos de corte atuaram como pilotos para validar procedimentos de modernização do Sistema de Inspeção Federal (SIF).
Os testes fazem parte da etapa final do projeto que visa à atualização do SIF para identificação e controle mais eficazes de riscos de contaminação da carne de frangos por microrganismos na avicultura industrial.
O trabalho é coordenado pela Embrapa Suínos e Aves e pelo Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com a colaboração de especialistas de universidades públicas.
Entre as mudanças estão a participação proativa da garantia da qualidade das empresas na identificação e controle dos riscos para a saúde do consumidor que contará com um médico-veterinário responsável, mediante supervisão dos auditores fiscais federais agropecuários (Affa). Além disso, estão previstas as ações dos Affa mediante auditorias no abate e de avaliações microbiológicas que medem a eficiência da higiene nesse processo.
O primeiro piloto se iniciou na última semana de setembro, em Lajeado (RS), no frigorífico Minuano Alimentos. Os testes encerraram no dia 15 de outubro e foram acompanhados por especialistas da Embrapa, do Dipoa e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O projeto piloto também foi realizado no Frigorífico Macedo, em São José (SC), da Seara Alimentos, e na cooperativa C.Vale em Palotina, no Paraná.
“O objetivo é colocar em prática o que foi proposto como modelo de inspeção baseada em risco, considerando todo o trabalho que desenvolvemos até agora”, explicou o pesquisador da Embrapa Luizinho Caron, que lidera o projeto.
Esses procedimentos que estão sendo aplicados nos frigoríficos contemplam principalmente a etapa de post mortem. “[Com o novo protocolo] Muitos dos procedimentos realizados deixam de ser feitos por agentes públicos, porque não oferecem perigos identificados pela análise de risco. A linha de abate ficará com mais foco e mais precisa”, comenta Caron.
Para que os procedimentos possam ser institucionalizados pelo Mapa, a validação precisa ser feita por meio de testes-piloto, momento em que os procedimentos são avaliados pelos frigoríficos e ajustados, caso haja a necessidade. Caron afirma que essa é uma fase necessária e a participação dos frigoríficos é fundamental.
“E essa participação ocorre de forma voluntária, ou seja, cada participante aceitou realizar testes em seus estabelecimentos e contribuir com o projeto”, destaca.
Sobre o atual sistema de inspeção, o pesquisador destaca que é realizada principalmente de forma visual, observando-se lesões na carcaça e órgãos dos frangos. Na inspeção moderna, preconizada pela coletânea internacional de padrões Codex Alimentarius, a inspeção deve ser baseada em uma análise de risco e avaliar os perigos microbiológicos, como Salmonella e Campylobacter, entre outros microrganismos que, em geral, não deixam lesões visuais na carcaça.
“Desse modo, a inspeção moderna vai se basear no risco microbiológico dos lotes e na eficiência do abatedouro em não aumentar esse risco,” detalha o cientista.
Não quer dizer que lesões inflamatórias, por exemplo, não serão mais removidas, mas serão removidas pela garantia da qualidade e o processo será auditado pelo serviço oficial.
Ao validar os procedimentos nos testes-pilotos, a equipe espera auxiliar diretamente na publicação de uma norma de inspeção baseada em risco, a exemplo da instrução normativa de número 79, que entrou em vigor em dezembro de 2018 para frigoríficos de abate de suínos, e teve como base científica um projeto da Embrapa e do Mapa.
“O nosso propósito é fornecer bases técnico-científicas para a elaboração de uma nova norma, a qual tenha como principal premissa o risco do alimento para a saúde do consumidor”, frisa Caron.
O projeto Revisão e Modernização do Sistema de Inspeção Federal de abatedouros de aves está em andamento desde 2014, quando a Embrapa foi demandada pelo Dipoa/Mapa a elaborar uma proposta de modernização da inspeção que seja baseada no manejo do risco.
A proposta de inspeção desenvolvida será colocada em prática para avaliar sua eficácia com base na análise de carcaças para detecção de Salmonella spp. e Campylobacter termotolerantes.
“Esses gêneros de bactérias são os principais causadores de doenças transmitidas por alimentos no Brasil e em outros países, sendotambém uma importante causa de notificações de inconformidades da carne “in natura” de frango brasileiro na Europa e Japão, principalmente a Salmonella”, explica Caron.
Liderado pela Embrapa e Dipoa/Mapa, o projeto tem como parceiros: a UFRGS, o Instituto Federal Catarinense – Campus Concórdia (IFSC), a Universidade de São Paulo (USP) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial em Chapecó (Senai-SC).
A equipe do projeto atuou também em outras frentes, como na elaboração de uma Nota Técnica que corrobora a inocuidade para à saúde pública das miopatias e a possibilidade de aproveitamento de graus iniciais da alteração, bem como se oferece uma forma de classificação das alterações.
A nota técnica serviu de base para a um ofício-circular do Dipoa.
As miopatias são uma alteração muscular observada em frangos de corte. A condição é caracterizada por diferentes graus de degeneração e até necrose nos graus mais avançados. Elas são classificadas de acordo com suas características observadas visualmente e pela localização.
De acordo com os pesquisadores, as miopatias representavam a sétima causa de condenação de frangos de corte na indústria, de acordo com avaliação dos anos de 2012 a 2015, com 0,31% das carcaças de aves abatidas condenadas por esse motivo, equivalente a 4,32% de todas as condenações. Porém, em análise recente, entre 2016 e 2019, essa causa já representava 0,77% das carcaças de frangos abatidos, ou 8,28% de todas as condenações, ou seja, a quarta causa de condenação.
A partir de estudos realizados, foi elaborada uma Nota Técnica sugerindo a condenação das carcaças, ou partes, de acordo com os graus.
O descarte da carcaça ou partes dela ocorre em situação mais graves da alteração. Já, em seu grau médio, as alterações são removidas e podem ser aproveitadas em produtos industrializados. Nos graus leves podem ser liberadas para consum “in natura”.
“Apesar de as miopatias não serem um transtorno do tecido muscular de causa infecciosa, os graus mais severos são alterações incompatíveis com o consumo devido ao edema e hematomas presentes no tecido acometido. Esse procedimento pode, agora, ser feito pela indústria em virtude de proposta aprovada anteriormente no âmbito desse projeto e que permite à indústria realizar essas atividades, sob a supervisão do serviço de inspeção”, afirma.
Antes desse oficio-circular 17/219, qualquer alteração perceptível que indicasse diagnóstico de miopatia na linha de inspeção condenava a parte afetada. A norma agora prevê ainda que, para uma melhor eficiência dessa operação, ela não será realizada pelo Serviço de Inspeção, mas delegada para o abatedouro a tarefa de classificação e a remoção, quando necessário.
Também será de responsabilidade do frigorífico o destino preconizado, mediante supervisão do Serviço de Inspeção, por não ser uma condição relacionada à saúde pública. De acordo com o pesquisador, isso permitirá uma classificação mais eficiente e o Serviço de Inspeção focará o trabalho em alterações com maior impacto na saúde pública.
Outro apontamento desse trabalho é que essa nova classificação terá impacto na produtividade dos abatedouros, aumentando a quantidade de carne produzida com a manutenção da qualidade sanitária do produto e reduzindo as perdas. “A norma é relevante por estabelecer padrões objetivos para que todo o serviço cumpra de forma padrão a classificação, evitando problemas de julgamento entre diferentes abatedouros”, enfatizou.
Conhecido pela sigla SIF, o Serviço de Inspeção Federal é vinculado ao Dipoa e é o responsável por assegurar a inocuidade e a qualidade dos produtos comestíveis e não comestíveis destinados ao mercado interno e externo, bem como importados.
Atualmente, o SIF atua em mais de cinco mil estabelecimentos brasileiros, todos sob a supervisão do Dipoa.
O selo surgiu quando foi editado o primeiro regulamento para a criação do serviço de inspeção dentro dos estabelecimentos processadores. Até receber o carimbo do SIF, o produto atravessa diversas etapas de fiscalização e inspeção, cujas ações são orientadas e coordenadas pelo Dipoa, da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA/Mapa).
Todos os produtos de origem animal sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento são registrados e aprovados pelo SIF, visando a garantir produtos com certificação sanitária e tecnológica para o consumidor brasileiro, respeitando as legislações nacionais e internacionais vigentes.
Atualmente, o Brasil exporta seus produtos de origem animal para mais de 180 países, destacando-se como um dos principais exportadores mundiais.