Na pandemia, consumo de carne bovina entre brasileiros caiu para o menor nível em 25 anos, de acordo com dados do governo, que calcula a disponibilidade interna do produto subtraindo o volume exportado da produção nacional.
Não bastasse a perda de renda da população, os preços de cortes bovinos dispararam, na esteira de valores recordes da arroba do boi gordo, limitando o consumo interno, enquanto a China importa como nunca carnes do Brasil.
Agora, cada brasileiro consome 26,4 quilos desta proteína ao ano, queda de quase 14% em relação a 2019, quando ainda não havia crise sanitária. Este é o menor nível desde 1996, início da série histórica da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Só nos primeiros quatro meses do ano, o consumo per capita de carne bovina caiu mais de 4% em relação a 2020, estima a Conab.
"A questão da pandemia trouxe desemprego e perda de renda", disse à Reuters Guilherme Malafaia, pesquisador do setor de bovinos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). "Isto empobreceu a população e também gerou perda de poder aquisitivo, enfraquecendo o consumo interno da proteína."
A alta da carne bovina levou o brasileiro a procurar opções mais baratas, incluindo frangos e suínos. Além disso, o consumo de ovos, que o Brasil quase não exporta, chegou ao maior nível em 20 anos.
Enquanto o Brasil fica mais pobre, uma doença que dizimou boa parte do rebanho suíno da China diminuiu a oferta de carne naquele país, levando-o a importar mais proteína de outros lugares.
Isto ajudou a fomentar uma inflação global dos alimentos, que também assola o Brasil.
Sergio de Zen, diretor de política agrícola da Conab, disse à Reuters que o mundo todo está pagando mais por comida. Ele acrescentou que a moeda fraca castiga o Brasil em especial, pois o câmbio desvalorizado aumenta os custos de produção aqui.
De acordo com o IBGE, o preço das carnes em geral subiu 35% no país nos 12 meses até abril, mais que cinco vezes o próprio IPCA no período.
No caso da arroba do boi, o preço subiu mais de 50% na comparação com o mesmo período de 2020, operando atualmente em cerca de 305 reais, um pouco abaixo da máxima história registrada em 2021, segundo dados do Cepea.
Os frigoríficos lidam ainda com uma cíclica diminuição da oferta de animais para abate.
Com a alta das carnes, algumas famílias agora comem mais ovos.
De olho na nova clientela, há maior procura por material genético para produzir ovos em pequena escala e vendê-los nas grandes cidades, diz Marcelo Miele, pesquisador para aves e suínos da Embrapa.
O preço do ovo não subiu como o do frango, cuja alta ficou em linha com a inflação de alimentos; e muito menos que o do suíno, que subiu bem acima dos alimentos por causa de um aumento da exportação para China, disse Miele.
No lado da oferta, a alta do preço das carnes no Brasil também reflete maiores custos de produção.
Para as empresas, a escassez de bovinos para abate causa uma ociosidade na indústria que seria entre 35% e 40%, estima Malafaia, com reflexos no suprimento doméstico. Se a empresa tem autorização para exportar, a preferência é abater e vender a clientes como a China, que pagam em dólares e cobrem os custos, disse.
Já do lado das aves e suínos, o vilão é o milho, que dobrou de preço no último ano e é o mais importante componente da ração. Mas mesmo com custos mais altos, os produtores de frango e suínos conseguiram aumentar a disponibilidade interna dos dois tipos de proteína.
Houve alta de 5% no consumo per capita de suínos e 6% no de frango em 2020, parte disso impulsionado pelo auxílio emergencial, disse Miele, citando dados da indústria e do IBGE.
"Com a pandemia, pensamos que haveria problemas de ruptura da cadeia", disse Miele referindo-se a frangos e suínos. "Mas pelo que aparece na estatística de consumo per capita, não foi isto que aconteceu."