O setor de avicultura alerta que a situação nas granjas brasileiras é emergencial e pode faltar ração para as aves já a partir desta quinta-feira (3/11), caso as rodovias do país não sejam desobstruídas pelos manifestantes bolsonaristas contrários ao resultado das eleições.
Segundo um alto representante do setor, 45% da capacidade de abate de frangos já está parada nesta quarta, devido à dificuldade de transporte das aves vivas para os abatedouros.
Mas a situação mais grave acontece nas granjas, onde os estoques de milho para alimentação dos animais foram consumidos nos últimos dias. O temor é de que as aves, com fome, passem a se canibalizar e tenham que passar por abate sanitário para evitar essa situação.
Na greve de caminhoneiros de 2018, que durou 11 dias, 70 milhões de aves morreram devido à falta de alimento, segundo balanço da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) divulgado à época, e 120 mil toneladas de carne de frango e suíno deixaram de ser exportadas.
Na noite desta quarta-feira (2/11), o presidente Jair Bolsonaro publicou um vídeo em suas redes sociais fazendo um apelo pela desobstrução das rodovias.
"O fechamento de rodovias pelo Brasil prejudica o direito de ir e vir das pessoas", disse o presidente no vídeo publicado nas redes sociais.
"Quero fazer um apelo a você: desobstrua as rodovias. Isso daí não faz parte, no meu entender, dessas manifestações legítimas. Não vamos perder nós essa legitimidade."
Um alto representante do setor de avicultura falou à BBC News Brasil sob condição de anonimato. Ele disse fazer o relato por se tratar de uma questão de segurança alimentar e pelo compromisso do setor com o bem-estar animal.
"Não está tendo [mortes de aves] ainda, porque a extensão do movimento ainda não tem o número de dias como teve naquela vez [em 2018], que foram milhões de aves mortas. Mas a gente agora já está saindo da luz amarela, para entrar na luz vermelha, porque essa é uma paralisação diferente."
"Ela é surpreendente, porque se esperava movimento dos caminhoneiros e tudo mais, mas que fosse mais nas cidades. Uma manifestação política, não parar ruas e não parar o país.
Temos algo como 45% da capacidade [de abate de aves] que já não está girando. Apesar de ser feriado, muitas empresas deveriam trabalhar hoje [quarta-feira, 2/11], mas várias não puderam porque não tinham frangos, que não passaram nos bloqueios.
Hoje o grande problema que temos são Santa Catarina e Paraná."
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) o Paraná lidera o ranking estadual no abate de frangos, com 33,6% de participação nacional em 2021, seguido por Santa Catarina (13,4%) e Rio Grande do Sul (13,4%).
"A partir desta quinta-feira a situação já começa a ficar mais emergencial, pois tem granja que já não tem ração", diz o representante do setor avícola.
Eles explica por que a situação é dramática: "Elas [as aves] recebem a ração diária e não é que começam a morrer de repente. É que, se você deixar muito tempo sem a ração, elas começam a se canibalizar. Então não é que elas morrem de fome só, tem que matar para evitar elas se canibalizarem.
É horrível. Com muita fome, isso é da natureza. Os animais vão lá, pegam os mais fracos e começam a bicar. Aí enxergam o sangue e começam a comer. É uma coisa terrível.
Na última greve dos caminhoneiros, quando o [ex-presidente Michel] Temer decidiu acabar com a greve, botou Exército e tudo o mais, foi porque nós mostramos para ele um desses vídeos das aves se canibalizando", lembra o representante dos produtores.
Segundo o porta-voz, o país tem hoje 1 bilhão de aves no campo e são 25 milhões por dia em produção.
"Nós abatemos 25 milhões de aves por dia, então são 25 milhões de pintos por dia que têm que nascer.
Então, hoje, não tendo segurança de que vai poder levar para a granja, o cara não deixa nascer. Ele quebra esse ovo e vai para farinha ou graxaria.
Essa consequência já está acontecendo desde terça-feira em algumas plantas, para evitar que venha nascer um pinto que você não conseguir transferir ele em tempo hábil e com bem-estar animal."
Segundo o porta-voz do setor avícola, os preços ao consumidor ainda não devem ser afetados pelos transtornos aos produtores nos últimos dias. Mas isso pode acontecer, se o bloqueio de estradas continuar.
"Por enquanto não afeta [os preços] porque ainda temos uma certa elasticidade de estoque", afirma.
"Como está causando só atraso [de produção], não vai faltar produto. Mas se essa situação permanecer por mais uns dois ou três dias, aí já começa a faltar produto e ficar mais caro na gôndola. É natural. Toda essa situação gera prejuízo e gera custo."
Outro problema, se a crise se perpetuar e o abate sanitário vier a ser necessário, é o transtorno sanitário gerado pelo descarte dos corpos dos animais, alerta o representante.
"Um suíno, para você ter uma ideia, é maior que uma pessoa. Só Santa Catarina, que está totalmente fechada nesta quarta-feira, abate 25 mil suínos por dia. Se você não consegue abater e os suínos não conseguem receber comida, onde você vai enterrar esse bichos se você não conseguir abater nos frigoríficos?", questiona o porta-voz.
"Pensa bem, são 25 mil animais, se não tem comida, eles começam a se canibalizar. Você não vai deixar um bicho sofrer se canibalizando, tem que matar.
Se você matar, você tem que enterrar, porque é um corpo. Não pode deixar o bicho morrendo dentro da pocilga ou do aviário, tem que abater. Então esse é o grande risco que corremos se essas manifestações seguirem muito tempo."
O produtor alerta também para o potencial problema de segurança alimentar, já que supermercados já relatam dificuldades de abastecimento.
"Nós estamos falando pela responsabilidade que temos com a manutenção da segurança alimentar. Afinal de contas, amanhã, lulistas e bolsonaristas têm que comer. E nós temos uma responsabilidade de bem-estar com esses animais, e na preservação da saúde pública também."