A Marcha das Mulheres Negras 2023, que acontece no próximo dia 30, na Praia de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro, tem como tema Mulheres negras unidas contra o racismo, contra todas as opressões, violências, e pelo bem viver. Será a nona edição do ato, que também encerrará as comemorações pelo Dia das Mulheres Negras, instituído por força de lei estadual o 25 de julho.
O evento traz na edição deste ano algumas reivindicações. Entre elas, a criação de estratégias para sobreviver ao racismo do qual “o povo preto, nos últimos quatro anos, se tornou alvo, de todas as formas”, disse à Agência Brasil Clatia Vieira, uma das organizadoras da marcha. “O crescimento e o fortalecimento do racismo foram uma coisa muito assustadora e aconteceram porque racistas tiveram amparo na gestão do governo federal”.
Serão também marcantes na marcha a questão da fome, a violência e a juventude negra, que, segundo Clatia, está muito vulnerável. O evento vai abordar ainda questões de moradia, trabalho e saúde mental. “Vamos falar de um governo que olhe para a população negra, não como uma população de coitados e coitadas, mas como parte da sociedade brasileira, e que precisa ser tratada como cidadã”.
Para isso, Clatia ressalta a necessidade de fazer valer a Constituição Federal e a dignidade do povo preto.
No que se refere ao bem viver, Clatia explicou que se trata da construção cotidiana, “que é o bem viver como um conceito de condições de dignidade humana de vida. Porque a população negra está exposta e é violentada todos os dias, não por sermos mulheres ou jovens, mas por sermos negros”.
Para Clatia Vieira, trata-se de uma ideologia racista que tomou forma e corpo e tem afetado a vida da população negra, de forma drástica. “Não que já tivesse sido resolvido, mas a gente tinha um equilíbrio nessa questão. A gente perdeu. Esse gap [lacuna] de cinco anos deu muita força para as políticas racistas. Eu posso dizer que [o racismo] foi normalizado, e isso dá força para as pessoas seguirem se comportando dessa forma, como a gente tem acompanhado”.
O cenário político atual, com a mudança do governo federal, permite à população negra respirar, acredita Clatia Vieira. “Porque a gente tinha muito medo de sair às ruas, porque as pessoas eram atacadas por serem pretas, por terem o cabelo black”.
Ela lembrou também das perseguições aos terreiros de umbanda, que configuram racismo religioso. “Estávamos vivendo um processo que a democracia não valia”, denuncia.
Clatia disse que os quatro anos do governo anterior não serão resolvidos em uma única gestão do governo atual, “porque as políticas antidemocráticas tomaram muito corpo”. Embora o ex-presidente da República tenha se tornado inelegível, deixou políticas antidemocráticas, racistas, disse.
“E isso afeta muito a população negra e, em especial, as mulheres negras”.
Agora, Clatia vê a necessidade de ir para a rua reivindicar, a partir da democracia, que esta seja minimamente respeitada.
A reivindicação para que o Congresso Nacional não negocie com a vida da população negra e que os entes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sejam autônomos e se relacionem entre si com respeito, também são tema da marcha.
“A gente não vê isso no Legislativo que, para o duelo com o governo, coloca pautas relacionadas com a população mais empobrecida, que é a população negra”. A instabilidade política é uma questão que as mulheres negras pretendem reverberar dentro da marcha.
Outra questão que será levantada, segundo Clatia, é que a democracia não é relativa. “Há consciência de que a democracia para o povo negro ainda está longe de se viabilizar, até porque é uma democracia feita pelo povo branco. Mas ainda é uma democracia que te dá o direito de se expressar, de você dialogar, propor. E a gente quer garantir essa democracia”.
Na pauta da visibilidade das mulheres negras, Clatia destacou que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva se comprometeu a dar essa visibilidade. “Uma das coisas que nós vamos cobrar é a nossa vaga no Supremo Tribunal Federal. Porque não dá para dizer que é todo mundo igual e, na hora do poder, a gente ficar de fora”.
Durante a marcha, as mulheres negras levantarão não só questões nacionais, mas também regionais, trazidas por mulheres negras de cada município fluminense.
A Marcha das Mulheres Negras, o Fórum de Mulheres Negras Cristãs e a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e radialista aposentada pela Rádio MEC do Rio de Janeiro Helena Theodoro serão homenageados neste sábado (22) pela Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial (Cojira-Rio) do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro (SJMRJ).
Clatia Vieira recebeu com satisfação a homenagem. “Se não tivessem existido jornalistas como vocês, que muito contribuíram, não sei se a gente fazia essa travessia”.
Ela admite também que a imprensa pode atrapalhar, como foi o caso de mídias digitais que propagaram questões ideológicas contrárias, que inventaram para justificar atos antidemocráticos e violentos.
Na sua avaliação, a homenagem prestada pela Cojira-RJ significa o fortalecimento da luta das mulheres negras, salientando a importância de uma imprensa responsável, que também sofreu violências, mas que seguiu com seu compromisso profissional. Para Clatia, o poder da imprensa afeta diretamente a formação e a construção da política.
Sandra Martins, cofundadora e membro da Cojira-RJ, disse à Agência Brasil que as três personagens que serão homenageadas este ano estão envolvidas com os trabalhos da comissão há longo tempo. Tanto o Fórum das Mulheres Negras e a Marcha das Mulheres Negras “sempre apoiaram as nossas reivindicações de fazer com que a comunicação também se responsabilize no combate contra o racismo”.
Sandra destacou que a jornalista Helena Theodoro “também está nessa estrada conosco há muito tempo”. Lembrou que a radialista da Rádio MEC teve vários programas radiofônicos na emissora da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), entre os quais o Origens, para o qual convidava ativistas do movimento negro e de outros grupos de movimentos sociais, como foi o caso do Grupo de Trabalhos André Rebouças (GTAR), primeiro grupo de movimento negro dentro de uma universidade, no caso a Universidade Federal Fluminense (UFF). “Existe uma trajetória bastante expressiva de intersecções com esses três homenageados”, disse Sandra Martins.